Guardas protegem um animal que conseguiu sobreviver à retirada dos chifres |
Gangues asiáticas e terroristas islâmicos aceleram o extermínio dos gigantes africanos
Da BBC
Periodicamente, o Ministério do Meio Ambiente
sul-africano publica em seu site o número atualizado de rinocerontes
abatidos em seus parques nacionais. O último levantamento, datado de
abril, contabiliza 393 mortes, mais de três por dia, 62 a mais em
relação ao mesmo período de 2014, ano terrível para esse animal cujo
chifre chega a custar, no mercado negro, 65 mil dólares por quilo, mais
do que o ouro e a platina.
Em média, o chifre de um
rinoceronte-branco, do qual só restaram 20 mil na África Subsaariana,
pesa, aproximadamente, 6 quilos. Portanto, a matança de um único animal
pode render até 400 mil dólares. Por essa base, o tráfico de chifres no
ano passado movimentou cerca de 500 milhões de dólares. Um mercado
prolífico e em contínua expansão no eixo África-Ásia: a matéria-prima
está principalmente na África do Sul, mas a demanda vem da China,
Vietnã, Laos e Tailândia. Segundo a medicina tradicional chinesa, cuja
influência ainda é forte especialmente entre os novos-ricos, o chifre de
rinoceronte teria poderes curativos. Bastaria uma dose de 2 gramas para
debelar a impotência, a gripe e alguns tipos de câncer. Seria então uma
droga polivalente, não reconhecida pela medicina oficial, com um número
de usuários ainda limitado a 1 milhão de consumidores por causa dos
custos proibitivos, mas com enorme potencial de crescimento.
A venda de chifres de rinoceronte foi
proibida em 1977 pelos países que aderiram à Convenção sobre o Comércio
Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Selvagens. Entre os
signatários estão China, África do Sul, Vietnã e Moçambique, que, em
anos diferentes, também proibiram o tráfico doméstico. Tal como acontece
com as presas de elefante, a proibição não surtiu os efeitos esperados.
Ao contrário. Com o crescimento econômico da África do Sul e o
consequente enrijecimento dos controles nas escalas aeroportuárias, as
gangues asiáticas, muitas vezes as mesmas que atuam no tráfico de drogas
e de seres humanos, se deslocaram para o vizinho Moçambique, a nova
fronteira da rota ilegal de chifres de rinoceronte.
Depois de desembarcar em Maputo, os
traficantes se movem por centenas de quilômetros para o norte, rumo à
fronteira com a África do Sul e com o Parque Nacional Kruger, o
principal santuário do rinoceronte-branco. No meio de aldeias assoladas
pela fome e onde ainda são tangíveis os resquícios da guerra civil da
década de 80, começa a busca pelos caçadores furtivos que matarão os
rinocerontes e entregarão o precioso produto às gangues asiáticas.
Identificá-los é fácil, pois, graças à sua renda decorrente da caça
ilegal, são os únicos capazes de construir casas de concreto. Eles se
movem em grupos de três, fortemente armados com metralhadoras AK-47,
dispositivos de visão noturna, silenciadores e o inevitável facão para
retirar o chifre. Aquele que atira e derruba o animal ganha em torno de
30 mil dólares, os outros dois, conhecidos no meio por “açougueiros”,
levam 15 mil cada um.
Os ataques geralmente ocorrem à noite, uma vantagem para os traficantes por causa da visão fraca dos rinocerontes Créditos: Save the Rhino Internacional |
As aldeias tranquilas de fronteira começam a ganhar vida
perto do pôr do sol, quando um número discreto de carros 4 x 4 enche as
ruas empoeiradas dos povoados. Alguns carregam caixas coloridas de
plástico no bagageiro de teto. É um sinal codificado para os caçadores
ilegais, que, graças ao apoio de guias locais corruptos, conseguem
localizar os rinocerontes. Sem essas indicações, o trabalho seria quase
impossível, dada a extensão da fronteira: 350 quilômetros.
Os ataques geralmente ocorrem à noite,
uma vantagem para os traficantes por causa da visão fraca dos
rinocerontes. Uma vez sedados com um poderoso sonífero chamado M99, os
caçadores ilegais têm tempo para cortar o chifre. O animal é deixado no
lugar e geralmente sangra até a morte. Os traficantes agem sem pressões,
pois a polícia não tem homens ou equipamentos para monitorar os 20 mil
quilômetros quadrados do parque. Seriam necessários mais 1,4 mil
soldados para dar conta do trabalho.
Por causa das dificuldades, a África do
Sul estuda propor a legalização do comércio de chifres. A ideia seria
permitir a extração de uma parte apenas. Como os chifres têm composição
semelhante às unhas humanas, voltariam a crescer a um ritmo de 5
centímetros por ano. A proposta enfrenta a resistência de
ambientalistas.
Às máfias asiáticas uniu-se uma nova
ameaça, o terrorismo fundamentalista. Segundo fontes da inteligência dos
Estados Unidos, grupos como o nigeriano Boko Haram e o queniano
Al-Shabaab valem-se do comércio ilegal de chifres para financiar suas
operações. Calcula-se que, no atual ritmo de abate, as mortes vão
superar os nascimentos de rinocerontes, inclusive entre a espécie branca
sul-africana. A Java, oriunda do Vietnã, foi extinta. Dos brancos do
norte resta um único exemplar no Quênia, vigiado 24 horas por soldados.
Chifre de um rinoceronte é apreendido após uma operação policial em Maputo, Moçambique |
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