A acidificação dos oceanos diminui o instinto de sobrevivência dos peixes. | Foto: Wicker Paradise/Flickr |
Do Ciclo Vivo -
Quando se fala na mudança climática que a Terra vem sofrendo nas últimas décadas, é comum vir a mente questões como efeito estufa e aquecimento global. Mas estes não são os únicos problemas graves que temos enfrentado. A massiva emissão de dióxido de carbono, o CO², tem causado um processo de acidificação de todos os oceanos, e é extremamente perigoso, podendo resultar na extinção da vida marinha até o fim do século.
A Organização das Nações Unidas (ONU) liberou um relatório onde afirma que os oceanos estão ficando cada vez mais ácidos. Este foi o novo alerta divulgado pela Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) durante a 12ª reunião sobre a proteção da biodiversidade.
A acidificação teve início junto à primeira revolução industrial, no século XVIII, já que as fábricas liberavam enormes quantias de CO² na atmosfera. Como havia indústrias por toda a Europa, foi rápido o aumento dos níveis de acidez.
Pesquisadores concluíram que o pH (índice que indica o nível de alcalinidade, neutralidade ou acidez de uma solução aquosa) dos oceanos aumentou 26% ao longo dos últimos 200 anos. Sendo a escala de pH logarítmica, uma leve diminuição representa grandes variações de acidez.
De acordo com o relatório, a acidificação dos oceanos tem ocorrido com enorme velocidade e seguirá crescendo pelas próximas décadas. O impacto na vida marinha, se os prognósticos se confirmarem, será trágico. Encontrar variações de acidez nos oceanos é normal, dependendo da hora, da estação, do local, da região e até da profundidade da água. Estas diferenciações comuns fazem parte do ecossistema que ali se estabelece e os animais já se adaptaram a elas, tendo diversos hábitos influenciados pelos níveis de acidez. Assim, a acidificação compromete diretamente toda a biodiversidade, trazendo consequências negativas, entre elas, a diminuição da fertilidade.
Espécies como corais, moluscos e equinodermos, como a estrela do mar e o ouriço, são particularmente afetados, já que a acidez elevada diminui seu ritmo de crescimento e sua sobrevivência. Outras pesquisas indicam ainda que a acidificação dos oceanos diminui o instinto de sobrevivência dos peixes, o que os deixa expostos aos predadores. Isso fragiliza toda a cadeia alimentar marinha e também afeta todo o panorama socioeconômico. Visto que muitas culturas vivem da produção de espécies marítimas, a acidificação representa risco a todo um setor do mercado mundial.
Outras pesquisas ainda são necessárias para compreender melhor o fenômeno, mas o relatório da ONU conclui que uma redução das emissões de CO² permitiria eliminar o problema.
Como o processo de acidificação ocorre?
Quando a água (H²O) e o dióxido de carbono (CO²) se encontram, é formado o ácido carbônico (H²CO³) que se dissocia no mar, formando então íons de trióxido de carbono (CO³²-) e hidrogênio (H+).
O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H+ presentes em uma solução, que neste caso, é a água do mar. Quanto maiores forem as emissões, maior será a quantidade de íons H+ e mais ácido serão os oceanos.
O Greenpeace produziu um pequeno vídeo que explica todo o processo de acidificação, a animação é bem curta, simples e educativa, assista abaixo:
O que acontece com a vida marinha?
Independente do habitat, mudanças, por menores que sejam, têm poder para influenciar profundamente todo o ambiente. Mudanças de temperatura, do clima, do nível de chuva, do número de animais, não importa, causam desequilíbrio ambiental, quase sempre irreparável. É o que ocorre hoje nos oceanos, com a alteração do seu pH.
De acordo com estudos preliminares, a acidificação afeta diretamente organismos calcificadores, como alguns tipos de mariscos, algas, corais e moluscos, dificultando sua capacidade de formar canchas, levando assim ao seu desaparecimento. Nas condições normais, os oceanos devem conseguir absorver as quantidades ideais de CO², formando, após reações químicas, o carbonato de cálcio (CaCO3), que é o elemento usado para a calcificação por animais marinhos. O aumento na acidez dos oceanos acarreta nos carbonos se ligando aos íons H+, o que faz a disponibilidade de CaCO3 diminuir, e os organismos não conseguem realizar seus processos de calcificação, ficando expostos a qualquer perigo externo, o que ocasionaquedas drásticas nas populações, podendo chegar a extinção.
Outra consequência advinda desta perda de biodiversidade de ecossistemas marinhos é a erosão de plataformas continentais, que não apresentarão mais corais, que ajudam a fixar os sedimentos. A estimativa encontrada pela equipe de planos da net é de que em até 2100, cerca de 70% dos corais de águas frias estarão expostos a águas corrosivas.
Algum benefício?
Outras pesquisas demonstram como alguns microrganismos poderiam se beneficiar da acidificação. A diminuição do pH (aumento da acidez) favorece a disponibilidade de nutrientes essenciais para o plâncton, resultando em um crescimento da produção primária, por exemplo. O fitoplâncton produz um componente chamado dimetilssulfeto, que ao chegar na atmosfera contribui para a formação de nuvens, que refletem os raios solares, controlando assim o aquecimento global.
Porém, ultrapassando esse ponto, isso resultaria na saturação de CO2 nos oceanos, e, somado ao aumento de temperatura das águas, além de prejudicar organismo, aumenta a concentração desse gás na atmosfera, o que contribui para intensificar os efeitos do aquecimento global. Temos assim um ciclo vicioso entre acidificação e o aquecimento global.
Como fica a economia?
Além dos impactos já descritos, comunidades que vivem à base de eco-turismo, como mergulhos, ou de atividades pesqueiras serão extremamente prejudicadas. Tendo em vista que mergulhos em barreiras de corais são populares nas cidades costeiras, com a morte deste organismo não sobraria algo a ser visto, apenas rocha.
Um mercado que deve ser afetado pela acidificação é o de créditos de carbono. Com o prejuízo nos depósitos naturais de CO2 nos oceanos, o gás se concentra na atmosfera, fazendo com que os países arquem financeiramente com as consequências. Vale dizer que organismos calcários armazenam carbono em suas conchas, e ficam depositados no leito dos oceanos por longos períodos, mesmo após a morte do animal.
Foto: XL Catlin Seaview Survey/Global Coral Bleaching |
Um grupo internacional de cientistas anunciou que uma mistura de soda cáustica e corante sobre um recife de coral pode ajudar na restauração de uma região. Nos testes, eles usaram lagoas naturais que se formam quando a maré está baixa. Medindo a proporção entre corante e soda cáustica na mistura entre uma lagoa e outra, no começo e no final do experimento, durante 22 dias, eles conseguiram estimar um crescimento dos corais em 7%. Porém isso apenas serviu para provar cientificamente a ligação entre acidificação e formação dos corais.
Essa correção de pH até foi cogitada como um esquema de engenharia planetária para reverter a situação em áreas-chave dos oceanos, mas não é prático em escala global, pois exige muita energia, dinheiro e recursos.
Ken Caldeira, um dos cientistas que promoveu o experimento com a soda cáustica, afirma que “a única maneira real e duradoura de proteger os recifes é fazer cortes profundos nas nossas emissões de dióxido de carbono”. Este deve ser o foco das discussões, as emissões de carbono.
O problema de acidificação vai muito além dos mares. Povoados, cidades e até mesmo países são totalmente dependentes da pesca e do turismo marítimo. É necessário que autoridades tomem atitudes incisivas sobre o tema, que criem leis e fiscalização rigorosos sobre a emissão de carbono. Quanto sociedade, utilizar mais transporte público, veículos movidos a fontes de energia renováveis e optar por alimentos provenientes da agricultura orgânica, são escolhas que podemos fazer para ajudar.
Mas tudo isso só mostrará resultado se as industrias priorizarem a produção de bens que utilizem matérias-primas sustentáveis, que suas formas de produção diminuam drasticamente a emissão de dióxido de carbono. Essas medidas devem estar em pauta agora, pois em poucos anos os resultados já terão se tornado irreversíveis.
Por Thiago Maboni
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